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segunda-feira, 19 de março de 2012

As Cruzes e A Cuca

  De um lado, falam de história, tradição e maioria. De outro, de democracia e justiça.

  Estas são as motivações que costumam ser apresentadas pelas pessoas nos dois lados de um embate ocorrendo estes dias, no qual tentam responder uma pergunta da forma mais favorável para cada lado: O que é ser laico? De forma simples e direta, laico significa não influenciado por organizações religiosas. Em um sentido mais amplo, significa não justificado por fé ou opção religiosa.

  Na prática, isto seria um conceito, a princípio, impossível de ser seguido, pois todo ser pensante é influenciado por suas crenças. Entretanto, basta o mesmo ser pensante não se considerar automaticamente correto para chegar à conclusão de que decisões, próprias ou em conjunto, devem ser tomadas por argumentação, ou seja, considerando-se princípios lógicos, evidências, causas e consequências.

  Ao chegar a esta conclusão, percebe-se que: 1) Ainda que seja impossível ser completamente neutro, podemos e devemos neutralizar nossas opiniões sem argumento, e 2) Devemos exigir o mesmo de todo o processo referente à lei e ao governo que se refere um grupo no qual se está simplesmente por viver. Exemplos: população do país, estado ou município em que se mora, grupo da profissão que se escolhe, gênero e preferência sexual, idade, etc...

  Portanto, é claro que não se pode justificar a negação de princípios democráticos como a igual importância de todos os cidadãos por conta questões de maioria, tradição ou história. Na prática, ainda existe o fato relatado anteriormente de sermos influenciados por nossas crenças. Se alguém acredita que uma organização é detentora da "verdade divina", como se pode esperar que esta pessoa não siga as vontades de sua autoridade religiosa?

  Aos que sugerem estas motivações, porém, podemos demonstrar os problemas em suas forma de pensamento. Se a motivação apresentada é a história, podemos citar o início das colônias inglesas que viriam a ser os Estados Unidos, que teve como motivação a perseguição religiosa dos protestantes pelos católicos, assim como a Inquisição, as Cruzadas e tantos outros momentos em que a Igreja Católica justificou atos contra grupos que discordavam por sua própria santidade. Historicamente, portanto, se mostra necessário manter separados o Estado e as organizações religiosas.

  Se a motivação apresentada é a tradição, devemos lembrar de todas as diversas tradições que foram recriminadas por suas consequências, como a tradição que diz "o chefe está sempre certo", a muito combatida por causar salários menores e exigências não são relacionadas a trabalho; ou a que diz "quem decide como cuidar de uma criança são os pais", que permite aos adultos bater, xingar e culpar crianças por coisas que não fizeram, tal qual obrigá-las a trabalhar ou impedi-las de estudar; ou ainda outras que dizem "a mulher é inferior ao homem", causadora de abuso sexual, espancamentos, humilhação e diversos outros abusos, além de outras como "os animais e plantas são meras propriedades", "menino tem que brigar pra virar homem", "menina tem que aprender a ser prendada", etc...

  Se a motivação apresentada é a maioria, a definição de maioria deve ser repensada. Afinal, a maioria, aparentemente, é evangélica, mas somando-se todos os não evangélicos, provavelmente serão maioria. Esta maioria não evangélica seria a favor de leis que não permitam a existência de suas igrejas, seus templos, suas mesquitas?

  Pensemos então quantos de nós não acreditam em alguma religião? Seguindo o argumento apresentado por tantas organizações não teístas, em particular da ATEA, somos todos ateus quanto as outras religiões, e seria, portanto, necessário ter políticas que não as consideram.

  Finalmente, deve ser apontado ainda um detalhe que não é apontado como motivação pelas pessoas que defendem a permanência de símbolos religiosos em órgãos públicos, nas cédulas, nas escolas. Uma vez que se retire estas influências, provavelmente cairá um número considerável de pessoas endoutrinadas desde crianças ou nas quais a  ideia da "verdade divina" é mantida como consenso mesmo não sendo. E, claro, se diminui as pessoas influenciadas, diminuem as pessoas que se mantém na religião e contribuem consequentemente para seu poder na sociedade. Para os seguidores, como para todos os que participam de um grupo atualmente com mais poder, perder-se-ia a pompa, o status, a imagem de influência, e a influência que esta imagem traz.

  Esta motivação e seus partidários não deixam de ser similares aos cartazes encontrados por tanto tempo, ao menos na cidade do Rio de Janeiro, que diziam coisas como "Halloween não. Brasil país cristão". Esta mensagem, tal qual a atual tentativa de justificar símbolos religiosos, ignora a história (o 'Dia das Bruxas' era também tradição portuguesa, tendo existido no Brasil), a tradição (o feriado não intenciona rituais senão festas a fantasia e decoração de casas, entre outros  com cucas, as abóboras com rostos escavados em sua superfície), ou a maioria (este feriado é comum em toda Europa e países de tradição cristã).

  Para chegar a esta compreensão, porém, as pessoas precisam ignorar suas preferências momentaneamente e pensar sobre o assunto. Infelizmente, existem muitos que não estão dispostos a isto.

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